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Resenha de "Apologia da polêmica", de Ruth Amossy.
Resenhado por Érika Moraes

A autora é professora emérita da Universidade de Tel Aviv, diretora do grupo de pesquisa em análise do discurso, argumentação e retórica ligado à mesma Universidade e editora da revista digital Argumentation et Analyse du Discours. Ela é conhecida no Brasil como palestrante e organizadora da obra Imagens de Si no Discurso.

A correlação proposta nesta resenha considera a pertinência e complexidade da discussão sobre a paz para a sociedade atual, bem como o caráter multidisciplinar dos chamados estudos para a paz (peace studies). Assim como a paz e a violência, as chamadas polêmicas são elementos constitutivos da sociedade em que vivemos e, em geral, estão no centro de trocas verbais conflituosas que incitam extremismos. É nesse sentido que a obra de Ruth Amossy, Apologia da Polêmica (2017), pode iluminar a contribuição de uma conceituação argumentativa da polêmica, entendida, em última instância, numa leitura de certo modo transgressora ao senso corrente, como mantenedora de um estado de “paz possível” no Estado democrático de direito.

É, aliás, com base nesse viés, que se pode compreender o título da obra. Por que falar em apologia da polêmica? Certamente, não se trata de instigar relações de tensão sem que se possa enxergar a possibilidade de algum “ganho social”. Ao considerar necessário compreender tanto o funcionamento quanto as funções da polêmica, Amossy remete, sem assim o mencionar diretamente, a um modo de dizer sobre a possibilidade da paz na sociedade democrática. Cabe a nós, leitores, construir a relação que permite a contribuição de sua teorização para o campo dos peace studies.

A autora concebe a polêmica como inerente à esfera democrática e observa que, além de investigar a especificidade de seu funcionamento, é também natural supor, em se tratando de fenômeno recorrente, que ela preencha certas funções sociais. Amossy propõe uma análise minuciosa das modalidades discursivas e argumentativas da polêmica em exercício, prestando especial atenção ao texto midiático, ou seja, ao modo como ela se manifesta nos discursos que as mídias fazem circular e, na conjuntura atual, que são reproduzidos e comentados por usuários da rede mundial de computadores.

A fim de adentrar na problemática da polêmica, a autora recorre à contraposição de fontes como dicionários, discursos correntes e conceituações científicas para mostrar que a palavra sofre a influência de concepções diversas que a fazem deslizar facilmente de sentido (e desliza na própria obra). Debate, conflito, controvérsia e excessos são efeitos de sentido que contornam e afetam uma visão geral do que seja polêmica. É necessário, portanto, recorrer a um cruzamento de todas

essas concepções para apreender a polêmica como categoria. Ao explorar a polêmica como um fenômeno sociodiscursivo em sua materialidade e complexidade, estudos conduzidos por Amossy levaram à conclusão de que “a polêmica preenche funções sociais importantes, precisamente em razão do que é em geral criticado nela: o fato de ser uma gestão verbal do conflito realizada sob o modo da dissensão” (p. 12). Essa função ligada à gestão de conflito estaria diretamente relacionada ao funcionamento das sociedades democráticas pluralistas, já que, diferentemente do que em princípio poderia parecer natural, o acordo estaria longe de ser sempre possível nessas sociedades. Ao contrário, “é, indubitavelmente, o conflito de opiniões que predomina no espaço democrático contemporâneo, o qual respeita a diversidade e a liberdade de pensamento e de expressão” (p. 13). Assim, na impossibilidade de um acordo de opiniões, o caráter contraditório e conflituoso da polêmica cumpriria a função de permitir “que os participantes dividam o mesmo espaço sem recorrer à violência física” (p. 13).

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